20 de agosto de 2010

Digerindo


Três noites e quatro dias,regurgitando.Sim,como um animal grotesco,que as vezes sou,fazendo voltar de dentro de mim o que vejo indo,sem que tivesse tido o gosto que eu quizesse provar.São 5:30 da manhã,e eu aqui mastigando um banquete vasto de mim mesma.Apenas aceitando,neste exato instante,miseráveis maços de palavras secas,sem eu siquer ter uma voz a me defender desse gosto ruim.Veja que se paga um preço pra viver aquilo que não se quer perder,embora nunca tido.Sem outra opção,a casa dorme.A vida também.Adianto que o que me ocorre agora,não lhe acrescentará em nada.Serão meras letras,insignificantes.Um certo remember sobre o que me passa então,mas não se torna passado.Essa embora,de forma franca,como nunca tinha sido.Sem personagens nem capricho.Sem qualquer cuidado.Chegou minha vez.E será ácido.E será extenso.


Quatro dias já disse,que isso tem me incomodado.Um frio interminável na pele e nas vísceras.Dentro, muita coisa acumulada a querer a saída de emergência,e é óbvio,ao que me parece,será por minhas mãos: papel e caneta.Porque decidi que essa "digestão" seria rústica,reclusa,solitária,pois fermentaria ações até o termino dessa escrita.Impulsiva talvez.E assim não quero.Me sentei em paz aqui,porque minhas situações sempre foram só minhas.Ninguém nunca soube,além somente do que achassem,as coisas que sinto.Esse é meu luxo:uma individualidade religiosamente reservada.É certo que sigo uma postura que nem me agrada tanto,mas me sinto até privilegiada pelos bons modos.Fui moldada a boa-moça:de bordados perfeitos,comportamento recatado,poucas palavras,olhar sempre baixo e dotes culinários impecáveis.Esculpida a um destino que não era pra mim,e nem eu sabia.Sempre achei que essa fosse a sina de uma mulher.Minha mãe me ensinou,então achei que era mesmo assim.E nunca foi.Mais sempre obedeci.Aos 29 anos é que escrevo com o pesar de 60,e direcionada unicamente pra minha vida.Aos 60,direi sobre esse momento,e como sempre meu tempo irá se desencontrar.Hoje não redijo pra ninguém,pela primeira vez.Sou eu o foco,e que não se espalhe,porque o pecado dessa rebeldia,me consumiria a "menina casta",e não é boa hora pra isso,porque estou apenas digerindo,ainda.Uma leve quentura subtamente me ronda,e instantaneamente é abafada,porque não posso sentir.É coisa de gente sem pudor.E eu tenho pudor nesse corpo esquelético e frio.Os desejos passam.Basta não pensá-los muito.Então eu mudo de música,mudo minha sintonia,já que de ar,também não posso.Os sonhos,ah esses me disseram que só foram feitos para admirar,porque voam fácil,fácil.Então me agarrei em borboletas,porque um dia também me contaram que elas representam a alma e a imortalidade.Decidi: se sonhos a gente de longe admira e voam,vou ser borboleta.E assim sou:totalmente irreal.Tomada a uma espera interminável por algo que me transforme.Dentro de uma casca.Mas disfarço com essa ingênuidade tola,o "se" não acontecer,"se" não der certo,"se" eu me arrepender.É,viver é pra quem tem ousadia,e eu sempre fui mirrada demais,sempre curva.Não olho nos olhos do grande amor da minha vida,porque nem sei se tão grande é.Tenho medo de na pupila dele,ver a menina que ele desmancha,por cuidado de perder.Então só olho na altura do pescoço,onde deito minha amargura e mais ninguém vê.Nem ele.Não é triste.Só é estranho quando duas almas inversas resolvem se amar.Parece amor platônico mais não é.Parece sofrimento,mais é contradição.É agonia de não poder se livrar de uma barreira que se impõe entre os dois.Os pensamentos se debatem,e ainda assim não conseguimos achar que podemos viver distante desse conflito.Existe um amor dissimulado,mudo,louco,egoísta,e que nem assim dispersa aquele encanto de quanto nos tocamos.Mesmo sem solução,mesmo não compreendendo um ao outro,nossa razão emudece,e somos desajuizados mais vez.É sincero tudo isso.Minha vida está enraizada em pessoas,que daqui a uns 20 anos eu sei que vou culpá-las pela minha pequenez,embora sendo a culpa toda minha.Mas será assim,pressinto,pela minha falta de coragem (assumo).Coragem é falar sobre isso.Eu já escrevi coisas que não eram minhas:vivi dores horrendas,amores impossíveis,saudades absurdas,já esnobei e depois arrependi,dei indiretas pontiagudas por alguém que nunca soube quem foi.Quem escreve sempre diz que sabe,mas eu nunca escrevi,só lamento.Não me pediram,deixo claro: senti porque eu quis.Porque tudo o que é dolorido eu absorvo como esponja na alma.Talvez na ânsia de sarar para alguém minha própria dor.Isso parece fugir do contexto,mas faz parte, explico:Certa vez uma moça caiu no meu destino e foi como um flash back,literalmente falando.Era meiga também.Era melancolica como eu.Nunca falava,mas mal sabia que só em teus movimentos,eu a entendia.O que eu tinha a ver com essa moça,que eu nem via,só percebia?Nada!Mas meus dedos passaram,involuntariamente,a ser confissões da alma dela,como que em uma ligação de outras vidas.Ela respirava e eu escrevia.Ela murmurava e eu criava sobre o que já havia.Foi inspiração pra que eu entendesse que o que eu vivi um dia, era por mais complexo,a pomada na ferida dela.Porque alguém a via,nos mais sublimes detalhes e assim eu voltava alguns anos atrás e me entendia também.Tudo eu explicava,menos o mistério do porque que tanto nela eu me via.Acho que porque assim como eu,ela amava mais o teu desejo do que a si.Digo,que em outra ocasião,essa mesma moça será personagem minha,numa humilde pretenção de um pressentimento que me veio agora.Será Lírica.Como o espírito dela me soa.E eu me descreverei,regurgitando assim.É improvável que eu mude,assim nesse silêncio todo,e que esse mal-estar nunca mais volte.É provável que eu dobre essa folha a qual escrevo e a esqueça dentro de um livro,e depois de um tempo jogue fora,como tantas vezes já fiz.É visto que tenho me esquecido um pouco: as traças das ultimas promessas confessam,que viver não é só se contentar com o mísero, que por ventura me ofereçam,mais sim buscar dentro das vontades e possibilidades o sentido de ser feliz.Mas eu sou feliz de um jeito esquisito.Tenho de Deus todas as coisas que preciso,mas faço disso uma explicação vaga pelos anos as quais vou desistindo de crescer,ou melhor : de ser!Admito porém, a fissura sobre as coisas que não eram e nem são pra mim.Essas sempre foram minhas voltas de "montanha russa",porque tudo o que eu não podia e não posso, coincidentemente,ou acidentalmente,sempre foram o que eu mais quis.


Um enjôo me toma,e essa coisa que volta de dentro,sei que é um tempo engasgado num passado querendo deixar de ser resto,para ser meu próprio fermento.Engulo amargo,com dois cubos de gelo:eu e ele.

Sem mais,
Patrícia Vicensotti


16 comentários:

  1. Que belo desabafo feito em poesia, isso é muito bom, porque colocamos fora tudo que nos enibe e judia..Parabéns por passar em escrita o que muitos tem vontade de falar, mas falta coragem...Ah! fiquei feliz com sua visita e comentário, bjs

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  2. Amei! seu desabafo em forma de poesia, seu blog e um encanto...
    Obrigada por sua visita e comentário recebido por mim com muito carinho...
    Tenhas um final de semana regado de amor,,
    beijos..
    Preciosa Maria

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  3. Veja que se paga um preço pra viver aquilo que não se quer perder,embora nunca tido (...)

    como se eu tivesse sussurrado à você a minha dor .

    seus textos saão fortes, delicados e encanta plenamente .
    um forte abraço *-*

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  4. Nossa Patty,

    Eu nao sei nem o que dizer.
    O seu texto me disse algo sobre dor, amor, libertacao, entrega, sofrimento, vida, enfim, sao tantas coisas misturadas, nao sei se mtas boas, ruins ou simplesmente lembrancas de algo que passou e nao volta mais.
    Eu prefiro nao dizer algo especifico sobre seu texto, apenas desejar que se vc estiver se sentindo ruim, q isso passe o mais rapido possivel! e se estiver bem, que fique melhor ainda!
    E qq coisa, grite ;)

    Beijos.

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  5. Amiga,

    I'm speechless!

    Abriste a porta da sua alma, e a minha reconheceu cada palavra!

    You can count on me! Always! ;)

    Andy.

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  6. Andy,

    I know I can count on,girlfriend!

    Você é de luz,viu?É sim!
    Tão bom é ter tua amizade!
    Te adoroooo,e sempre mais!

    Um beijo,com carinho e saudade...

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  7. O importante é colocar pra fora.
    sempre digerir !

    beeijos.

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  8. Oi Patty! é a primeira vez que entro no seu blog! e me encatei pela poesia que vc coloca nele... tudo fascinante.. vc escreve mto bem.

    há algum tempo coloquei uma frase de sua autoria em meu blog:" “Deveríamos ser como borboletas,e ter a coragem de enfrentar a metamorfose da vida, para sermos livres”

    só agora "descobri'' a autora desta linda frase! Parabéns ;)

    tem selinho para vc lá no meu blog!
    bjos

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  9. Cada um é do jeito que é. O mais importante é quando nos aceitamos, e vc se aceitou do jeito que é, isso foi bom de ler no texto que lembre a simplicidade de uma poesia ;D

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  10. Minha Flor de delicadeza!!!
    Realmente o tempo passa, mas em momento algum ele fez eu te esquecer, esquecer os poucos, mais bons momentos ao seu lado. Sinto tanta, mais tanta saudades de você, dos seus textos, das palavras tão carinhosas dirigidas a mim, o orkut não é o mesmo sem você!!! Um super beijo. Adoro-te.

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  11. Oi minha linda, algumas frases bateram forte em meu coração,já vivi isso minha querida muitas vezes, já andei muito nessa Montanha russa ...
    Jamais desista de: de ser e de crescer.
    Eu não desisti.
    Bjs te amo de +
    Zêh

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  12. "Aos 29 anos
    é que escrevo
    com o pesar de 60"

    Que trecho fabuloso
    com o qual muito me identifico! : )

    Beijo,
    Doce de Lira

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  13. Minha amiga, que texto maravilhoso!!
    De uma intensidade gigantesca!
    Me encontrei diversas vezes em passagens de teu texto, e perco-me sempre quando venho em teu cantinho... e de uma magia sem igual.
    Tenha uma semana cheia de sorrisos espalhados e recebidos, estrelas (cadentes) e brilhantes iluminando teus passos, e flores, de muitas cores, enfeitando teus dias.

    Abraco meu!

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  14. E o gelo querida, qual é a boa sensação?
    Tem um gosto bom? Exótico?


    Já engoli estas pedras. Aceitar a descoberta do que não foi e poderia ter sido é sempre um bom motivo para não fazê-la. Me engulo. E desço rasgando.


    Seja bem vinda menina das intensidades.


    A gente se vê no ar!

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  15. Ah doce Paty...

    Esse gelo queima a garganta... fazendo sangrar o peito que chora rasgando sonhos...

    É frio aquilo que nos cobre de solidão.
    E chove faíscas de um pesadelo sem cor.

    Linda eu amei cada letra.
    Vc é fantástica... to viciada nesse cantinho!!

    beijo grande, boa semana, se cuida!!!

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  16. Adoreiiii, parabéns me identifiquei com quase tudo... Foi um desabafo e tanto... me senti dentro da sua historia... Não perco mais nenhum post! boa semana
    Paz e Luz

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Signifique.
Deixe na vida alguma coisa terna.
Eterna.

(Patty Vicensotti)